terça-feira, maio 30, 2006

Olisipo !

Tarde...
Quase noite, mas hora perfeita para observar o melhor cenário do mundo.
Examino com vaidade e um tremor periclitante, toda a perfeita imensidão diante dos meus olhos. Pareço chorar de orgulho perante ruídos, cores, odores e toda esta amplitude disforme, mas perfeitamente ordenada de um mundo muito meu.
Vindo de sul, sinto-me abraçado e acolhido com uma hospitalidade única, apenas por uma porção de terra que serviu de inspiração a quem a vestiu, conquistou e tantas vezes dela se esqueceu.
Sinto-me seu rebento, trazendo-a comigo como uma progenitora a quem beijo incessantemente e lhe mantenho total fidelidade. Ergue-se a cada novo dia com movimento, agitação e com vida própria mantendo aberta a sua extensão nocturna, num longo limite de colinas amontoadas, lavadas por águas correntes de um curso grandioso.
Vejo-a como muitos, observando-a como poucos, mostrando o que realmente se sente quando por ela se evoca e tudo se mostra num amontoado de curtas palavras e insuficientes adjectivos.
Evidenciam-se qualidades, apontam-se defeitos, exibindo o seu viver perante os séculos de história, mantendo vivas as estórias de espanto, de aventuras, de lendas e mitos e de tudo aquilo que a compôs e fez dela a grandiosa senhora que a todos conquistou respeito e admiração.
A arte moldou-se nela, refinou-se, dando lugar a obras, a uma cultura ímpar de máscaras e mistério, sabendo manter viva a fiel tradição de algo típico, pitoresco e muito seu.
A ocidente o mar dilata-se, parecendo engolir cada pigmento que a sua pele coleccionou desde sempre...
Finalmente, reparo no mundo que se foi formando por aí fora, tendo-a como modelo, como referência e ponto de partida para a conquista de novos territórios, de novas terras e justamente afirmo, que foi aqui que o universo eclodiu e lhe pediu para ser sua mãe.
Saciável !

No teu sangue alcanço o infinito, na tua alma, permito-me tocar-lhe...
Encontra-me pelo uivo arrepiante da sombria noite que já bem alto se encontra vestida e recheada de movimento. Nela te aguardo, esperando o gélido corpo da tua presença física, quando tombas como qualquer outra.
A imensidão do luar fascina-me e penetra-me o ego, como um doce aperitivo que de tanto agre, se torna num supérfluo e contagiante digestivo. Embriago-me de emoções, de tragos mais ou menos sedutores, mas completamente recheados de sabores esquizofrénicos de saber e malícia. Possuo-me, detenho-me e aguardo-te com uma paciência demoníaca, maquiavélica e agindo de uma forma felinamente cobarde e matreira.
O amor aproxima-se em oceanos de sangue, quase deixando que o prove e o consuma gota a gota, pedaço a pedaço, deglutindo de uma só vez, a carne tentadoramente condenada ao meu proveito. A paixão, assume contornos insanos, permitindo-nos vivê-la no limite, no extremo e ousando transpor o limite do racional. Oculto e dissimulado por entre vários ambientes, capturo-te como uma presa, segurando-te, prendendo-te e alienando-te como algo meu, soltando-te o possível, para que os meus movimentos te possam manipular e fazer-te parte de mim. Rasga-se a pele, sentindo-se os tecidos anatómicos sob formas de harmonia e prazer. Alimento-me de ti, sentindo os teus nutrientes calorosamente aninhados no meu corpo, como um complemento nutritivo que tanto preciso para me satisfazer.
Calmamente, consumo-te até ao fim, saboreando voluptuosamente e de um modo terrivelmente desumano. Frio, grotesco e cheio de desiquilíbrio, mas de uma forma única e completamente arrebatadora. Deixa-me que te ame como mais te desejo !

quarta-feira, maio 10, 2006

Baile Veneziano !

Navego pelos canais venezianos de encontro à Ponte dos Suspiros. Formalmente mascarado de tabarro e capa de seda, vivo a noite de carnaval como mais um momento de trabalho e pesquisa.
Procuro o tal baile, onde ninguém se reconhece por detrás de tão enigmáticos disfarces. Vacilo nos gestos, na descontracção e apesar de escondido, não consigo assumir-me como um qualquer mascarado. Tudo isto é simbolismo, intensidade e sedução...
Sinto-me misterioso, como um cortesão que bem do alto da sua firmeza, observa as misérias humanas que estas máscaras ocultam. Finalmente, alcanço o final do meu trajecto. Junto-me á multidão para fazer parte de toda esta euforia colectiva, e acabo por ser engolido nesta enxurrada de histerismo e loucura. Aproxima-se um grupo de saltimbancos, com o intuito de varrer qualquer réstia de tristeza. Já em terra e deixando a gôndola que me trouxe, agarro na minha máquina e começo a fotografar tudo o que se move, tentando aprimorar qualquer detalhe que me escape no momento. Audacioso, sigo em direcção ao mistério que a todos envolve. Ninguém sabe quem se encontra diante de si. Em muitas destas figuras jokerianas, é praticamente impossível e totalmente imperceptível saber sequer o sexo de quem nos acompanha. Finalmente, alcançamos o nosso destino...
O baile situa-se numa espécie de mercado, onde todo o desfile se vai desembocar e desafunilar.
Perdido o encanto desta enxurrada, dedico-me a observar, a fotografar e a registar tudo o que me é possível. À minha volta, emergem mil vozes risonhas, coloridas, cálidas e em simultâneo com o brilho das fantasias garridas que a todos nos veste. Parece que o céu, é o único elemento sóbrio e tranquilo neste cenário de demência e perfeita loucura. Continuo a realizar a minha tarefa, tentando-me manter sereno e distante de todo este ambiente. No entanto, algo me perturba e interage comigo. Sinto um flash continuo, sempre atrapalhando e condicionando a minha visão. Baixo suavemente a objectiva da minha máquina e reparo a curta distância, numa máscara cujo brilho dos enfeites, parece vir ao meu encontro. Caem confettis sobre os nossos ombros e fixo cada vez mais o meu olhar sobre aquele vulto. É perceptível que se trata de uma mulher, cujo olhar de borboleta e corpo de cortesã, se movimentam eroticamente ao som da música ambiente que por todos é consumida.
Ergo novamente a máquina, com o intuito de captar todo aquele meio circundante. Tento obter a melhor posição para uma fotografia perfeita. Contudo, quando me preparo para disparar e ouvir o glorioso som do obturador, aquela figura desvanece-se, desaparece e consume-se no meio das gentes, não me dando qualquer chance de a apanhar. Quis segui-la, alcançá-la! Perdi-a no meio multidão... Era a personagem ideal e a imagem perfeita para o meu projecto. Olho em redor e nada mais vendo do meu agrado, ponho-me a caminho do hotel, prestes a tirar a minha máscara, com o desalento natural pela perda de algo que muito queria.
A noite muda, acompanha-me. Oiço apenas ruído de fundo, distante e ausente...
Num virar de esquina o luar adensa-se e sob as colunas de uma igreja, avisto-a diante de mim, como que perdida e vinda em meu encalço.
Ambos mascarados, oiço-a murmurar, até me pergunta perceptivelmente, se a desejo seguir. O meu coração palpita-me descompassado... Aceno-lhe ligeiramente, concordando com o seu pedido. Corremos pela neblina, distanciados pelos curtos metros que nos separam, cercando as colunas desta cidade lacustre e parecendo jogar o jogo do desejo. Perco-a, encontro-a e alcanço-a, perseguindo-a nesta espécie de labirinto. Finalmente vejo onde se alberga, mantendo-me imóvel e vendo-a subir por uma enorme escadaria. Diz-me para esperar e para subir apenas quando vir luz numa minúscula janela à minha direita. Aguardo impancientemente, mantendo a desconfiança natural naquela mulher que se cruzou comigo. O meu olhar, concentra-se no pequeno vitral, até que sigo disparado pelas escadas acima, quando o vejo brilhar. Percorro cuidadosamente o corredor, entrando calmamente, naquela divisão. A luz é morta, submissa e incrivelmente sedutora. Concentro-me mais nas paredes e decoração daquele quarto, do que propriamente na mulher que me levou até ali. Contudo e depois de consumir um pouco todo aquele espaço, deparo-me com ela numa enorme cama, mantendo a máscara e cobrindo os seios apenas com uma túnica semi-transparente. Nota-se que está nua, despida de pudores e parecendo desejar-me. Pede-me que a fotografe, que a capture através das minhas lentes, mas que evite a todo o custo, usurpar o seu corpo. Disparo vezes sem conta, mantendo o cuidado de não ousar em demasia e de nunca alcançar uma pele totalmente despida. Aproximo-me, afasto-me, curvo-me em diversos ângulos, tirando o tentando tirar o melhor partido possível de toda aquela sensualidade. Mantenho todo o meu profissionalismo, até que a sinto tocar-me nas pernas, desconcentrando-me e fazendo-me arrepiar. Desço a objectiva vagarosamente, sentindo-a a continuar a acariciar-me. Sinto-me desejado e deixo-me levar. Despe-me suavemente, baixando-me as suaves calças de cetim e mimando-me as coxas até aos joelhos. Ajudo, tirando a camisa e permitindo ficar completamente nu. Acaricia-me o sexo, tocando-lhe e percorrendo todas as minhas formas. Vou de encontro ao seu corpo, deitando-me a seu lado e com desejo de lhe tocar. Percorro-lhe as longas pernas, sentindo-lhe as ligas e num toque inesperado, a carne quente e palpitante. Apalpo-a e mergulho os meus dedos nesse canal de prazer atroz e apetecivel. Sinto-a suspirar perante o meu tacto, enquanto com os dentes lhe puxo a coberta que a conforta e lhe descubro os seios completamente entumecidos de desejo. Roçamos os nossos corpos ávidos de prazer e loucura, mantendo sempre a nossa identidade salvaguardada. Penetro-a com fervor, conseguindo um ritmo selvático que me enlouquece de desejo, com ela cooperante em todas as minhas acções. Sinto vontade de a virar, para a tomar pelas ancas, mas rapidamente sou surpreendido com um forte empurrão que me deixa prostrado de costas. Senta-se em cima de mim empurrando-o para o seu interior, balançando-se nele, sentindo prazer... Cada vez mais, parecemos engolidos para dentro destas máscaras, não sabendo afinal o que somos, o que fazemos, com quem estamos e o que desejamos. Finalmente, num movimento frenético e ousado das suas ancas, surge a explosão maior para ambos. Tudo se estilhaça num louco firmamento. Toda esta sinfonia desconcertante, converteu-se num lento, espasmódico e quase interminável orgasmo de sentimentos.
Exaustos, consumidos apenas pelo sabor da pele e mera proibição de carícias faciais, víamos a noite convertida num pontilhado de serpentinas luminosas. Reparo no fogo de artifício lá fora, rebentando e dando cor à noite veneziana, ficando soturnamente a observá-lo, como que hipnotizado perante tanta beleza. Tento chamá-la para vir comigo até ao varadim daquela janela, mas olhando para o lado, nada mais vejo que a máscara vazia daquele corpo que a usou. Retirou-se de um modo galopante e sorrateiro, deixando comigo a grata recordação de um momento inesquecível... Nunca mais a vi, mas comigo permanece ainda hoje aquela máscara cujo brilho dos enfeites, veio mesmo ao meu encontro.