quinta-feira, junho 24, 2004

Caminhos !

Sentado num canto, arrumo-me entre paredes, completamente desalinhado mas hospedado bem no interior da alma e no fundo do subconsciente. Reparo na noite que cai, entrando-me pela janela e invadindo a pequena divisão em que me encontro. O lua segue alta e com ela, os primeiros feixes de luz trazem á tona uma claridade obscura. Sigo atentamente o recolher de mais um dia, o fim de uma azáfama constante e o términus de uma agitação ruidosa e consequente... Há muito que parei também. Não só e apenas por hoje, mas talvez há muito que o venho fazendo. Parei para pensar, observar e perceber um pouco o ciclo das coisas, não de uma forma racional e lógica, mas procurando respostas em algo diferente, em algo que nem eu ao certo sei se me poderá elucidar.
Apenas quis parar, sentar-me sozinho nesta divisão fria e triste em que o eco perdura, o vazio sobrevive e a falta de vida é agoniante. Limito-me a olhar lá para fora nesta perspectiva, vendo a escuridão tomar posse do imenso universo, e com ela, uns salpicos de pontos reluzentes, brilhantes e minúsculos, acompanhados lado-a-lado pela claridade do luar. Finalmente, a noite está no auge e assim se irá manter por largos instantes, até que o Sol rompa e se faça notar pelo calor e pela força da sua luz.
Levanto-me em silêncio, caminhando devagar e com imensa tranquilidade na direcção da janela e do meu ponto de encontro com o exterior. Olhando para cima, o sentimento é o mesmo que sentira enquanto estivera sentado, esperando por este momento. Tudo se encontra na mesma, desde a escuridão em tons de azul muito escuro, quase preto, passando pelos pontos pequeninos que identificam as estrelas e também, pela iluminação que a lua me tráz.
Baixando um pouco o olhar desde esses pontos mais altos, a visão vai sendo outra. Vai-se tornando diferente, mais complexa e fastidiosa a cada nível que se desce. Repara-se na acção humana, na luz artificial, nos movimentos das terras, nos altos edifícios, nos imensos caminhos que se cruzam e intrometem, e na forma como tudo isso é utilizado como se de objectos necessários á nossa existência se tratassem.
Decifro cada um desses pequenos "objectos" com uma facilidade enorme, distinguindo-os a todos, sabendo os seus nomes, as suas utilidades, os seus fins e principalmente também fazendo deles meu uso. Afinal, sou humano, tenho de viver segundo regras, imposições e conseguir usufruir de tudo o que já existia e tem sido criado á minha volta. Sinto-me cansado por tudo isto...
Satura-me o facto de percorrer todas estas ruas, cruzar-me com os mesmos edifícios, deparar-me com o mesmo género de pessoas, com o mesmo género de problemas, inquietações e receios. Satura-me o facto de não poder nem me conseguir ver livre desta prisão que me obriga a estar aqui e me sufoca constantemente. Satura-me dizer que ainda assim sou livre, mas sempre condicionado a uma liberdade que não me deixa sair...
Apetece-me libertar, exaltar e fugir... Para longe, para perto... não importa! Apenas conseguir sair para algo diferente, para gente diferente, para ruas e edifícios diferentes, para outros caminhos!
Largar tudo, todos e ir em busca de factos, de certezas, de enriquecimento interior. Largar um sedentarismo doentio e carente, sentir-me nómada, viajante no espaço e no tempo e com isso, sem regras, sem imposições ou restrições, aprender, conhecer, crescer e não criar raízes demasiado fortes num mesmo sítio, para que mais tarde não me cortem o tronco, dizendo que deixei de pertencer ali, àquele sítio, àquele lugar.
Ainda assim, esteja onde estiver, bastará olhar para cima, porque a escuridão será a mesma. Os "meus" tons de azul-escuro, quase preto, manter-se-ão inalteráveis, bem como os pequenos pontos brilhantes e bem como a claridade obscura da lua que seguirá alta.
Se um dia me arrepender de algo, que o faça porque o fiz, mas nunca por não o ter feito ou não ter tentado. Bastar-me-á olhar para cima, estando sentado num canto, arrumado por entre paredes, mas perfeitamente alinhado com os meus princípios e hospedado na direcção certa dos caminhos diante de mim.

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