terça-feira, maio 08, 2007

Retiros!

Gosto do teu espaço, do teu aprumo, do teu recanto...
Daqui, observam-se os telhados gastos pelo tempo, as imagens escurecidas por uma densa manhã de nevoeiro e uma singela neblina que nos engole e deprime. Sabe bem estar sentado neste soalho de tábuas largas, ter diante de nós uma cidade que lá em baixo se move, se muta e aos poucos consome o tempo de mais um dia em que a realidade pouco ou nada se altera. Colo a minha testa no vidro da enorme janela de madeira que me separa das ruas, das vielas e dos imensos recantos desta paisagem urbana. Ao longe, o rio parece sereno, tranquilo e estranhamente acomodado. Encosto a nuca na parede, chegando para mim os joelhos, abraçando-os e deixando-me ficar encolhido numa posição extremamente agradável. Olho para o tecto da casa, imaginando o que cada pedaço de pedra, de areia, de cal e de madeira, me poderiam dizer caso falassem. Os séculos que passaram, deixaram as marcas de um tempo infindável e a vontade de libertar tudo aquilo que por aqui viveram. O cheiro adocicado e lúgubre das casas antigas agrada-me, conforta-me e confere-me uma enorme sensação de segurança. Apesar da sua debilidade natural, as imponentes fachadas dos edifícios antigos são a principal razão para me sentir seguro neles, como que amedrontando a física através do seu aspecto resistente. Gosto do sossego que aqui encontro, da paz destas divisões e até mesmo da escadaria em madeira que treme e soluça a cada passo. Encontro a felicidade quando aqui venho, quando tenho as chaves deste minúsculo retiro e me permito fazer dele, o meu lugar de meditação, de bem estar e prazer. Sabe bem ver que nem tudo é mudança, que nem tudo é remodelado ou destruído e que à semelhança de um qualquer objecto dos nossos avós, também aqui se consegue estar e usufruir deste espaço com o mesmo cuidado com que estimaríamos a mais bela preciosidade. Sabe bem esta nostalgia, este sentir, esta saudade que apenas nos recorda a infância, embora tudo permaneça intacto e da mesma forma. Aliás, a única alteração terá sido nós mesmos... A beleza intrínseca da paisagem interior e exterior, nem se moldou sequer aos tempos modernos, mantendo por isso a mesma talha artesanal, os mesmos traços de antiguidade e a mesma postura ao nível do horizonte. Fecho os olhos... Procuro os sons perfeitos, os cheiros equilibrados para tudo isto, os sabores que por aqui preencheram as línguas sequiosas e que tantas vezes lhes terá servido de alimento... Aqui viveram pessoas, aqui se criaram crianças, aqui muitos se terão tornado homens e mulheres, e até aqui, muitos terão partido para o encontro divino com a vida eterna. Será talvez e tão somente um singelo edifício, um simples prédio antigo da minha cidade, mas mais importante que isso, é o encontro que aqui vou mantendo e a bonita sensação de, por breves instantes, pensar que consegui parar o tempo e aqui lhe falar.

3 comentários:

Unknown disse...

Ola Nuno, um hino! Esta tua forma de Sentir e um hino a saudade do que passou e em nos mora... E sempre bom recordar, Sentir...
Gostei imenso de subir os degraus desta casa, gosto de janelas de madeira, de soalho de tabuas largas...
Onde nada parece ter Vida, ja tantas Vidas passaram, agora ecos de uma Infancia, Adolescencia... Sons das tabuas a ranger... estalidos da madeira, como se pedissem para falar...
O que diriam tantos edificios apagados pelo tempo,pilares de Amor, alicerces de outrora, resquicios de paixao...
Saboreei com ternura esta visita interior, um aroma a silencio... E do Silencio que brota a alegria de sorrir, viver.
Numa casa destas da vontade de andar descalça, soltar os cabelos ao Vento que sopra atraves das janelas abertas...
Gostava de um dia escrever um texto, nessa casa a que apelido de "Casa perdida", algures um Sonho...
Deixo-te um doce bjinho,
Sandra,

Unknown disse...

Oi, vim agradecer as palavrinhas deixadas no meu espaço, ha qto tempo!
Boa Noite, doce bjo,
Papoila Sonhadora,

Titá disse...

Excelente!
Há muito que não lia um hino tão bonito à cidade.
É um refrão de saudade...pois há muito que a cidade perdeu certos encantos, mas quem sabe, se também um refrão à esperança.