domingo, julho 11, 2004

Sentidos !

Bem alto, no topo da colina, jaz uma pequena capela onde é audível o som estridente e melancólico de um velho sino.
Situo-me distante, numa terra árida, em que é palpável o restolho de uma seara de trigo e se podem cheirar e saborear estranhas sensações de vazio, de solidão, mas de muito sossego.
Daqui, há um imenso retrato físico e psicológico por tirar. Daqui, vejo e sinto coisas diferentes, abstractas, reais, porventura demagogas ou mesmo dementes. Contudo, muito naturais.
Oiço o bater do pêndulo no sino. Não vejo quem o toca, o que o faz tocar, nem qualquer tipo de gente. Apenas observo o movimento de vai-vem e a forma como o som perdura e viaja até mim. Estranho, mas parecem abrir-se brechas e fendas pelo solo. Parece que o eco perdura e todo o universo treme a cada batida no metal. Assusta!
Sento-me numa enorme pedra, bem no centro do antigo trigal e começo uma estranha viagem, decidida pelo meu olhar e pelos outros sentidos.
Ainda tendo a pequena capela e o toque do sino como referência, tento abstrair-me das vibrações que se fazem sentir e tento descrever o que vejo. Em baixo, uma nora enferrujada acoplada a um antigo poço de pedra, range e move-se ao sabor do vento e de um minúsculo fio de água. Um pouco ao lado, as canas e as árvores agitam-se de uma forma medonha e indefinida. Ouvem-se os estalidos dos ramos a quebrarem e o bater destes ao chegarem ao chão. Nos campos de cultivo, a poeira levanta-se em círculos e desaparece no ar. Os pássaros desaparecem no horizonte, parecendo apressados e desejosos de sairem rapidamente para outro lugar. Os roedores, saltam e correm de encontro aos seus abrigos, parecendo recear algo pior do que já se sente. Os répteis não se vêem, talvez porque não sejam as condições ideiais para se mostrarem e se fazerem notar. Os seres ruminantes, mantém-se serenos, levantando apenas as cabeças a cada batida, a cada toque compassado do sino e mantendo o olhar desconfiado em qualquer direcção. Os insectos, parece que nunca estiveram aqui, apesar do cheiro nauseabundo da fruta podre que se decompõe, junto ás raízes das árvores.
Tudo isto é muito estranho, assustador, mas indescritível. Olhando para o céu, as nuvens vão-se escurecendo e sente-se que vêm carregadas. Do sol nem sinal, apesar da sua luz conferir ainda uma claridade suficiente para se saber que estamos num final de tarde.
Sinto as primeiras gotas de chuva e o odor da terra molhada pelos campos, começa a fazer-se sentir...
Lá em cima, o sino continua a sua tarefa. Batendo e esgrimindo uma melodia calma mas sinuosa, prossegue o seu método de uma forma natural. Não distingo o que toca. Parece ser tudo e ao mesmo tempo, nada! Não é um marcar de horas, não é um repique de festa e muito menos um toque de sinais. Será que alguém apenas se diverte e agita o enorme objecto de metal? Não sei, mas parece ser o instrumento musical correcto para este dia.
Estou encharcado pela chuva. Deixei-me embalar por este ambiente e por aqui fiquei. O vento acalmou e a água sagrada vinda dos céus, também. Aos poucos a claridade parece aumentar e junto á pequena ribeira, o arco-irís dispara e traz alguma cor a este dia acinzentado que passei.
Soube-me bem estar aqui. Sempre sozinho, sempre acordado e motivado para reter qualquer pormenor. Os seres-vivos que observei, parecem ter desistido de voltar. É lógico, até porque o dia está a terminar e deverão ter-se recolhido em abrigos bem mais seguros e menos vulneráveis a certos riscos.
Ainda assim, acredito que irão voltar, apesar do toque assustador do sino no alto da torre...
Levanto-me e parto eu também para o meu abrigo, não sem antes passar pela pequena capela e também eu fazer soar o sinal da hora do meu regresso. Enfim... de volta a casa !

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